UM FINAL DE SEMANA DE CINECLUBISMO E CULTURA NO ESPÍRITO SANTO.
Milito no Movimento Cineclubismo
desde 2004, quando eu participei de minha primeira Jornada Nacional de
Cineclubes, na época, realizada na cidade de São Paulo/SP. Era histórica 25ª
Jornada Nacional de Cineclubes, realizada diante um processo de debate intenso
e rearticulação do movimento nacional de cineclubes. Éramos no momento, nove
cineclubes representando o Estado do Espírito Santo, entre estes nove
cineclubes, eu representava o único cineclube do interior do Estado do Espírito
Santo.
Ainda sobre a 25ª Jornada, ela
foi realizada ali... Bem próximo a Esquina da Avenida Ipiranga com a Avenida
São João, e foi ali, como cantou o baiano Caetano Veloso, que “alguma coisa
aconteceu em meu coração”. Ali, eu me apaixonei, eu amei, e a partir daquele
momento eu não saberia mais viver sem o cineclubismo.
Certamente, hoje, alguns se
assustam com a forma enquanto militamos, buscando a maior intensidade possível
de envolvimento com o cineclubismo. E é até complexo discorrer sobre esta
relação nossa com o cineclubismo. Apenas posso definir que, cineclubismo é a
minha vida, é a minha filosofia de vida, isto porque, eu vivo o cineclubismo
todos os segundos de minha vida, e foi o cineclubismo que me sustentou
psicologicamente e emocionalmente, nos piores e mais difíceis momentos de minha
vida. No cineclube, eu abrir o meu olhar para paisagens cujo eu jamais havia
ousado ou tido oportunidade de enxergar, e diante toda esta paixão, eu sigo por
ai, visitando as regiões, conversando sobre cineclube e incentivando a criação
e o desenvolvimento do cineclubismo.
Da última semana que passou até o
dia de hoje, vivenciei três experiências bem diferenciadas, mas muito ricas, em
relação ao cineclubismo.
A primeira; visitei no meio da
semana passada o Cineclube da ABD, quando podemos assistir entre tantos filmes
capixabas, o filme Estradas Silvestres, de Ricardo Sá, por si, o filme já é de
uma estética e fotografia muito rica e de beleza imensurável. Mas o mais
interessante foi conhecer sobre outras culturas ricas em suas diversidades e
quanto à formação e criação de suas crianças. É curioso que nós em nossa
educação, aprendemos sobre os átomos e organismos que jamais ou raramente
iremos ver, e por outro lado, sabemos tão pouco de nossa história, e vemos tão
pouco de nossa cultura. Isto explica talvez a perca de nossas referências, o
grande buraco falho em nossa formação. O Cineclube da ABD, também retoma as
suas atividades enraizando novamente uma atividade cineclubista dentro da
Universidade Federal do Espírito Santo, promovido pela Associação Brasileira de
Documentarista e Curta Metragistas, traz entre os principais membros que atuam
nele, um cineclubista histórico do Movimento Capixaba de Cineclubes, Marcos
Valério Guimarães, que atua no Movimento Estadual de Cineclubes há mais de 20
anos.
Segunda; foi participar do 1º
Curta Colorado, que foi uma mostra de filmes da Produção Independente Capixaba,
promovida pelo Cineclube Colorado, a mostra recebeu grande destaque na mídia impressa
do Estado. O Cineclube Colorado possui três anos existência, e eu tive a honra
de participar de sua criação, compondo o quadro de Sócios Fundadores do
Cineclube. No entanto, ressalto que apenas participei da fundação deste
cineclube, e claro, sempre me mantive a disposição quando necessário a alguma
orientação e apoio. Mas o cineclube existe graças a dedicação contínua e
intensa, dos cineclubistas Fábio Gama, Alex Siqueira e Juliana Gama. O
Cineclube Colorado, cumpri um papel fascinante que é a volta do cinema no bar,
exibindo filmes nos fundos do Bar do Pantera, um local apropriado para quem
gosta de música, cultura, cinema e uma boa cerveja gelada. O Cineclube Colorado
é um dos cineclubes que mais orgulho-me de ter participado de sua fundação, sendo
ele um dos cineclubes mais atuante do Estado do Espírito Santo.
A terceira e última; foi
presenciar a realização do Seminário de Comunicação da “Não Violência contra a
Mulher”, organizado pelo Cineclube Olho da Rua e Centro de Comunicação Popular
Olho da Rua, através do projeto aprovado no Fundo Estadual da Cultura, no
Edital da Diversidade Cultural. O Cineclube Olho da Rua reúne em seu bojo, com
jovens comunicadoras que para além do cineclubismo e da comunicação, são
atuantes em diversos movimentos sociais, entre eles, o Movimento Negro e o
Movimento contra a violência contra mulher, e outros. É um cineclube que se
diferencia na formação e luta contra as problemáticas sociais e em defesa de
uma debate amplo e diverso sobre o desenvolvimento humano. Em especial,
gostaria de discorrer sobre a nossa participação no Seminário.
Primeiro é necessário que eu
diga, nunca ou pouco refleti até o momento sobre a questão da mulher, do
machismo, a violência contra mulher, e nunca tinha me inserido no debate de
gênero. Não por não ter interesse nos
temas, mas talvez por falta de oportunidade ou falta de informação. E dai,
durante o Seminário, passei a me perguntar o “porque eu ainda não havia
participado de tal debate”, sendo eu uma pessoa atuante na cultura no desenvolvimento
do senso crítico. Talvez pela pouca exposição da verdadeira realidade na mídia,
ou mesmo, pelo processo de indução e alienação de como a mídia nos monopoliza e
controla. Ali, tive acesso às diversos dados da violência contra a mulher, e
passei a refletir sobre diversas questões.
O que mais me assustou foi
descobrir que o Estado do Espírito Santo está em primeiro lugar no mapa da
violência contra a mulher, e que, entre a faixa etária que sofrem mais com o
homicídio de mulheres, está em média dos 15 aos 29 anos. Passei a questionar-me
se este dado era muito distante da minha realidade, e como seria aplicação a
estes dados no interior do Estado do Espírito Santo. Isto porque, eu venho de
uma região onde dos sete municípios que a compõe, três deles são um dos que
mais desenvolveram as suas taxas de homicídio nos últimos anos, e entre eles,
um mantém um dos piores índices de desenvolvimento humano do Estado. Isto por
diversos motivos, mas é importante destacar a interiorização da violência no
Estado do Espírito Santo, e isto, por diversos motivos, os quais fugindo do
assunto, eu atribuo em muito a Política do Governo do Estado, na interiorização
dos Presídios. O preso executa o crime na capital e é conduzido a cumprir sua
sentença no interior do Estado, e por consequência muda de cidade para ficar
mais próximo, a família do preso. Não digo isto com relação de preconceito a
família, mas digo isto, em relação de que o Estado não fornece de forma justa e
equivalente aos Municípios ações que possam conter os impactos sociais de se
ter uma presídio estadual nas pequenas cidades do interior do Estado. As
famílias se mudam, acabam indo morar em lugares sem estrutura, e isto vai
contribuindo para o surgimento de áreas de riscos, dali, como de outros lugares
em diversos segmentos da sociedade, deriva-se em parte, o nascimento crescente
da violência e aumento dos homicídios no interior do Espírito Santo. É
importante ainda ressaltar, que entre as Regiões do Estado do Espírito Santo, a
Região Noroeste, Norte e Nordeste do Espírito Santo, são as regiões que mais
tem sofrido com esta política desenvolvida pelo Estado, quando sabemos nós, que
o sistema carcerário no Brasil e em específico no Estado, raramente recupera
alguém, ressociabiliza, sendo assim, uma grande escola do crime e preparo para
a violência.
Baseado nestas proposições
arguidas, eu enquanto participava do Seminário de Comunicação da “Não violência
contra as mulheres”, pensava em como seria a projeção dos dados que eu já
conheço quanto aos Municípios de Água Doce do Norte, Barra de São Francisco,
Águia Branca, São Gabriel da Palha, Ecoporanga, Nova Venécia, e outros; se
projetássemos a pesquisa nos homicídios de mulheres e violência contra as
mulheres, se chegaríamos aos mesmos índices projetados durante o seminário.
Enfim, fato é que a incidência de homicídios na faixa etária dos 15 aos 29 é o
extermínio de nossos jovens ou nossas jovens, e o assassinato de nossas futuras
gerações. Pois se não cuidarmos de nossa geração, não haverá futuras.
Denuncio ainda, que há muitos
dados quanto ao interior do Estado, não revelados ou divulgados. Por diversos
fatores, e entre os principais é o envolvimento de pessoas que possuem forte
poder aquisitivo, influências políticas, e ou o envolvimento de algumas
autoridades e poderes, e em alguns casos, em específico, na atuação da
prostituição infantil.
Por outro lado, se pensarmos que
na Capital já tenha alguma falha ou muitos equívocos quanto a boa gestão do
Estado das Delegacias das Mulheres, no interior ainda padecemos de ter mais
Delegacias especializadas para as mulheres. Da mesma forma, de que padecemos de
não termos no Estado do Espírito Santo,
um departamento específico da mulher.
Eu espero poder, me aprofundar
mais neste debate da violência contra mulher, mas certo eu, sou para além deste
tema, contra toda e qualquer violência. Seja contra a mulher, seja pelo abuso
de poder e autoridade de muitos policiais militares, seja contra a criança, sou
contra toda ação de violência. Mas em especial, gostaria de parabenizar o Centro
de Comunicação Popular Olho da Rua e ao Cineclube Olho da Rua pelo Seminário
proposto, pelos temas abordados. É nestas ações aliado ao cineclubismo que eu
acredito, pois mesmo não achando que a cultura será a salvação suprema, é
através do desenvolvimento cultural, de uma nova formação cultural, que eu
acredito, poderemos mudar muitas coisas em nosso Estado e País. A cultura é um
pilar central e um caldo para diversas mudanças de comportamentos e na formação
de nossas gerações. Promova o Estado o acesso a cultura sem achar que cultura é
um mero entretenimento, o acesso a formação cultura sem achar que o Espírito
Santo é só muqueca capixaba, a democratização do acesso e a descentralização do
fomento aos incentivos financeiros à cultura, levando para as mais extremas
regiões o desenvolvimento cultural.
Eu acredito que o cineclubismo
pode ricamente contribuir para a formação de um novo olhar diante as nossas
realidades, por seu potencial de fomento do debate, pela riqueza do diálogo que
o cineclube promove. Isto é o que mais me comove e me provoca a atuar no
cineclubismo.
E quando, eu penso em desanimar,
ou estou desanimado em militar ou mesmo chateado com os embates políticos do
movimento. Eu me jogo por ai, a visitar os cineclubes, conhecer as suas
realidades. E quando me deparo com ações como as que eu encontrei durantes
estes dias, diante de uma efervescência cultural, eu renovo as minhas forças, a
minha fé, e retorno ao mais profundo do meu coração, eu preciso continuar
acreditando que podemos fazer algo e muito mais, pela força de nosso movimento,
e diante de tantos impactos sociais e audiovisuais, acredito que já não somos
apenas um movimento social inerente ao audiovisual, mas que somos um movimento
político que através do audiovisual, podemos elencar e formar pessoas para as
tantas lutas e batalhas para um mundo e uma sociedade melhor.
Não há muito tempo, eu ouvi de um
jovem morador de uma favela no interior do Estado o seguinte comentário: _
Rapaz, está vendo estes barracos de madeira vazios, era famílias que ganharam
do Governo uma casa nova, ditas casas populares. Eu não ganhei porque moro só.
No entanto quando é chegada à época das eleições, eu sou lembrado assim como
estes que aqui moravam. Agora pense comigo, o Estado só chega aqui em nossa
comunidade através da Polícia Militar para bater, eu cresço e moro aqui, mas
não tenho oportunidade emprego porque moro na favela, não tenho oportunidade
educação, não acesso as oportunidades. O que você acha que eu vou ser? Sou
tratado como um animal pela sociedade. Então, acha que vou ser um dia algum
Estudante, algum Médico, algum doutor. Jamais! Porém, todos nós que moramos
aqui, sonhamos e temos esperança, mas a nossa esperança é exterminada pelo
sistema.
“Por uma cultura de paz...”
“Por um diálogo entre os homens e
as mulheres com a vida”.
“Pelo respeito ao ser humano,
pela humanidade social, e contra as
injustiças.”
“Acreditando no cineclubismo
capixaba.”
Por Luciano Guimarães de
Freitas.
Cineclubista, Poeta, Produtor Cultural.
Titular Representante da Região Noroeste na Comissão Organizadora do Plano Estadual de Cultura.
Produtor do Projeto Olhares – Perspectiva para o Desenvolvimento.
Cineclubista, Poeta, Produtor Cultural.
Titular Representante da Região Noroeste na Comissão Organizadora do Plano Estadual de Cultura.
Produtor do Projeto Olhares – Perspectiva para o Desenvolvimento.
Vitória
- ES, 03 de dezembro de 2012.
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